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O desejo da verdade pertence à própria natureza do homem

Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal?

 Basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas partes da terra animadas por culturas diferentes, as questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida?

Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles. São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas depende efectivamente a orientação que se imprime à existência.
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Recurso que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade

3. Variados são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua existência. De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade.

O termo filosofia significa, segundo a etimologia grega, « amor à sabedoria ». Efectivamente a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem principiou a interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria natureza do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas onde o homem vive.

A incidência que a filosofia teve na formação e desenvolvimento das culturas

 A grande incidência que a filosofia teve na formação e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazer-nos esquecer a influência que a mesma exerceu também nos modos de conceber a existência presentes no Oriente. Na realidade, cada povo possui a sua própria sabedoria natural, que tende, como autêntica riqueza das culturas, a exprimir-se e a maturar em formas propriamente filosóficas. Prova da verdade de tudo isto é a existência duma forma basilar de conhecimento filosófico, que perdura até aos nossos dias e que se pode constatar nos próprios postulados em que as várias legislações nacionais e internacionais se inspiram para regular a vida social.

 4. Deve-se assinalar, porém, que, por detrás dum único termo, se escondem significados diferentes. Por isso, é necessária uma explicitação preliminar. Impelido pelo desejo de descobrir a verdade última da existência, o homem procura adquirir aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor compreensão de si mesmo e progredir na sua realização.

Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita a contemplação da criação: o ser humano enche-se de encanto ao descobrir-se incluído no mundo e relacionado com outros seres semelhantes, com quem partilha o destino. Parte daqui o caminho que o levará, depois, à descoberta de horizontes de conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o homem tornar-se-ia repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência verdadeiramente pessoal.

A capacidade reflexiva própria do intelecto humano permite elaborar, através da actividade filosófica, uma forma de pensamento rigoroso, e assim construir, com coerência lógica entre as afirmações e coesão orgânica dos conteúdos, um conhecimento sistemático. Graças a tal processo, alcançaram-se, em contextos culturais diversos e em diferentes épocas históricas, resultados que levaram à elaboração de verdadeiros sistemas de pensamento.

Historicamente isto gerou muitas vezes a tentação de identificar uma única corrente com o pensamento filosófico inteiro. Mas, nestes casos, é claro que entra em jogo uma certa «soberba filosófica », que pretende arvorar em leitura universal a própria perspectiva e visão imperfeita. Na realidade, cada sistema filosófico, sempre no respeito da sua integridade e livre de qualquer instrumentalização, deve reconhecer a prioridade do pensar filosófico de que teve origem e ao qual deve coerentemente servir.

Princípios de não-contradição, finalidade, causalidade

Neste sentido, é possível, não obstante a mudança dos tempos e os progressos do saber, reconhecer um núcleo de conhecimentos filosóficos, cuja presença é constante na história do pensamento. Pense-se, só como exemplo, nos princípios de não-contradição, finalidade, causalidade, e ainda na concepção da pessoa como sujeito livre e inteligente, e na sua capacidade de conhecer Deus, a verdade, o bem; pense-se, além disso, em algumas normas morais fundamentais que geralmente são aceites por todos. Estes e outros temas indicam que, para além das correntes de pensamento, existe um conjunto de conhecimentos, nos quais é possível ver uma espécie de património espiritual da humanidade.

É como se nos encontrássemos perante uma filosofia implícita, em virtude da qual cada um sente que possui estes princípios, embora de forma genérica e não reflectida. Estes conhecimentos, precisamente porque partilhados em certa medida por todos, deveriam constituir uma espécie de ponto de referência para as diversas escolas filosóficas. Quando a razão consegue intuir e formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles deduzir correcta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então pode-se considerar uma razão recta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs logos, recta ratio.
João Paulo II
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