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MILITANTE SOCIALISTA ABANDONA PARTIDO APÓS LEI SOBRE ABORTO

Entrevista com a ex-senadora espanhola Mercedez Aroz
Por Patrícia Navas
BARCELONA, sexta-feira, 22 de maio de 2009 (ZENIT.org).- A veterana socialista Mercedes Aroz acaba de anunciar que abandona o partido socialista catalão, do qual foi cofundadora, por causa da proposta do governo espanhol sobre o aborto.
Para a ex-senadora, o anteprojeto aprovado no Conselho de Ministros em 14 de maio passado despenaliza o aborto e atenta contra o ser humano no primeiro estágio de sua vida.
Na seguinte entrevista concedida a Zenit, Mercedes Aroz pede uma “revisão de legislações que não garantam efetivamente o direito à vida do ser humano desde sua concepção”.
Essas legislações – assinala – “provêm do século passado, quando os conhecimentos científicos sobre o início da vida não eram tão evidentes”.
Quais foram as razões que a levaram a deixar o partido que você ajudou a fundar e no qual levava 33 anos como militante?
– Mercedes Aroz: Quando me retirei da política ativa em 2007, com a renúncia a ostentar todo cargo de representação ao finalizar meu compromisso de senadora por Barcelona, mantive a afiliação ao Partido Socialista e agora dei o passo de dar baixa do partido.
Não foi fácil, pois foram 33 anos de militância e participação ativa no projeto socialista. É uma decisão vinculada à nova regulação do aborto na Espanha, impulsionada pelo governo, que supõe sua despenalização, e que me levou a romper o último laço que me unia ao socialismo. Minha discrepância com as políticas do socialismo radical do governo e do Partido Socialista é completa, desde a ética cristã e a defesa dos direitos humanos. Escrevi uma carta ao Primeiro Secretário, com uma breve reflexão sobre esta questão, a questão do aborto como vulnerabilidade dos direitos humanos, pois à luz dos atuais conhecimentos científicos, que nos dizem que desde a concepção existe um ser humano com sua identidade genética própria que manterá por toda sua vida, o aborto atenta contra o ser humano no primeiro estágio de sua vida. É, portanto, algo mais que uma questão de consciência moral: vai contra os direitos humanos, o primeiro dos quais é o direito à vida. O ser humano deve ser protegido juridicamente, com independência da fase na qual se encontre; é uma questão de ética e de civilização. Por isso, desde uma posição progressista,é preciso defender a revisão de legislações existentes em diferentes países que provêm do século passado – quando os conhecimentos científicos não eram tão evidentes –, que não garantem efetivamente este direito do ser humano desde sua concepção. Esta garantia é imprescindível para avançar no verdadeiro progresso humano. As gerações futuras nos julgarão sobre isso.
– É difícil a atuação dos cristãos no âmbito político?
– Mercedes Aroz: Sim, sem dúvida é difícil. Porque nenhum partido responde totalmente à identidade cristã, e os políticos cristãos devem ser coerentes com os princípios e valores que guiam nossa vida e que propomos à sociedade. Isso implica, portanto, manter a autonomia com relação aos partidos, mas ao mesmo tempo, estes exigem a seus membros, e especialmente em cargos parlamentares, disciplina de voto. Por isso, o conflito pode ser importante quando estejam em jogo leis contrárias à dignidade da pessoa e dos direitos humanos, às quais é preciso opor-se. O tema da autonomia dos cristãos com relação aos partidos políticos é de grande importância. Porque, se não se mantiver, e o político cristão se submeter aos interesses do partido em questões fundamentais como as que mencionei, ele se converterá em legitimador de sua ação. Também se dá o agravante de que pode ser utilizado, com a antiga tática do “divide e vencerás”, para enfraquecer não a Igreja ou sua hierarquia, mas ao cristianismo. A submissão não é o caminho para propor valores cristãos e contribuir com os projetos da sociedade a partir da nossa própria visão do mundo. O político cristão está chamado a ser consciência crítica em sua militância e em sua ação pública quando for necessário.
– Desde sua experiência política, como é possível que tenha havido um giro tão radical nas políticas sobre sexualidade e família no Ocidente, em tão pouco tempo?
– Mercedes Aroz: Considero que este giro se inscreve na secularização das sociedades ocidentais e na evolução do pensamento contemporâneo, caracterizado pela rejeição aos imperativos e a conceitos universais, com a conseguinte perda de referências últimas. Isso significou que hoje se considere fundamental a autonomia ética e o respeito à própria consciência individual, algo que constitui sem dúvida um grande avanço no desenvolvimento de nossas sociedades. Contudo, esta mudança levou a um momento histórico no qual se manifesta uma perda de orientação pessoal, uma crise de valores morais e certo mal-estar cultural. Este é o contexto no qual o cristianismo deve desenvolver-se. Por isso, para que os valores cristãos progridam, deve-se utilizar argumentos convincentes e mostrar sua vinculação à dignidade da pessoa e aos direitos humanos. Esta é a única referência objetiva que hoje parece poder ser assumida por todos os cidadãos em nossas sociedades seculares e pluralistas. Na situação atual, o cristianismo tem um papel fundamental, pois existe o risco de que o vazio moral de nossas sociedades leve ao deterioro das tradições humanistas. A mera valorização negativa dos problemas existentes, sem incorporar o diálogo com a cultura atual e a abertura à qual nos convida o Concílio Vaticano II, não contribui para construir um futuro ético no qual os cristãos devem participar.

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